quinta-feira, janeiro 27, 2005

"Diz-me onde moras!"

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Está lindo e é para ler até ao fim...


"Diz-me onde moras!" por Miguel Esteves Cardoso.

Existem nomes da nossa terra que urgiria esquecer.
Um dos grandes problemas da nossa sociedade é o trauma da morada. Por exemplo. Há uns anos, um grande amigo meu, que morava em Sete Rios, comprou um andar em Carnaxide. Fica pertíssimo de Lisboa, é agradável, tem árvores e cafés. Só tinha um problema. Era em Carnaxide. Nunca mais ninguém o viu. Porque para quem vive em Lisboa, tinha emigrado para a Mauritânia.

Acontece o mesmo com todos os sítios acabados em -ide, como Carnide e Moscavide. Rimam com Tide e com Pide e as pessoas não lhes ligam pevide.
Um palácio com sessenta quartos em Carnide é sempre mais traumático do que um T0 nos arredores de Cascais. É a injustiça do endereço.

Está-se numa festa e as pessoas perguntam, por boa-educação ou por curiosidade, onde é que vivemos. O tamanho e a arquitectura da casa não interessam. Mas morre imediatamente quem disser que mora em Massamá, ou em qualquer outro sítio que soe à toponímia de Angola.

Para não falar na Cova da Piedade, no Fogueteiro e na Cruz de Pau. (...) Ao ler os nomes de alguns sítios, compreende-se porque é que Portugal não está preparado para entrar na CEE. De facto, com sítios chamados Finca Joelhos (Concelho de Avis) e Deixa o Resto (Concelho de Santiago do Cacém), como é que a Europa nos vai querer integrar?

Compreende-se logo que o trauma de viver na Damaia ou na Reboleira não é nada comparado com certos nomes portugueses.
Imagine-se o impacto de dizer "Eu sou da Margalha" (Conc. de Gavião) no meio de um jantar. Veja-se a cena num chá dançante em que um rapaz pergunta delicadamente "E a menina de onde é?", e a menina diz: "Eu sou da Fonte da Rata" (Conc. de Espinho). E suponhamos que, para aliviar, o senhor prossiga, perguntando "E onde mora, presentemente?", só para ouvir dizer que a senhora habita na Herdade da Chouriça (Conc. de Estremoz). É terrível.

O que não será o choque psicológico da criança que acorda, logo depois do parto, para verificar que acaba de nascer na localidade de Vergão Fundeiro? Vergão Fundeiro, que fica no concelho de Proença-a-Nova, parece o nome de uma versão transmontana do Garganta Funda.
Aliás, que se pode dizer de um país que conta não com uma Vergadela (em Braga), mas com duas, contando com a Vergadela de Santo Tirso? Será ou não exagerado relatar a existência, no concelho de Arouca, de uma Vergadelas?

É evidente, na nossa cultura, que existe o trauma da "terra". Ninguém é do Porto ou de Lisboa. Toda a gente é de outra terra qualquer. Geralmente, como veremos, a nossa terra tem um nome profundamente embaraçante, daqueles que fazem apetecer mentir. Qualquer bilhete de identidade fica comprometido pela indicação de naturalidade que reze Fonte do Bebe e Vai-te (Conc. de Oliveira do Bairro). É absolutamente impossível explicar este acidente da natureza a amigos estrangeiros ("I am from the Fountain of Drink and Go Away...").

Apresente-se no aeroporto com o cartão de desembarque a denunciá-lo como sendo originário de Filha Boa. Verá que não é bem atendido. (...)
E não há limites. Há até um lugar chamado Cabrão, no concelho de Ponte de Lima. Fica perto da aldeola de Sacripanta e da lendária vila Sacana (estes dois últimos são mentira) Urge proceder à renomeação de todos estes apeadeiros.

Há que dar-lhes nomes europeus, ou então parecidos com os nomes dos restaurantes giraços, tipo Não Sei, A Mousse é Caseira, ou Vai Mais um Rissól.(...)
Também deve ser difícil arranjar outro país onde se possa fazer um percurso que vá da Fome Aguda à Carne Assada (Conc. de Sintra) passando pelo Corte Pão e Água(Conc. de Mértola), sem passar por Poriço (Conc. de Vila Verde), e acabando a comprar rebuçados em Bombom do Bogadouro (Conc. de Amarante), depois de ter parado para fazer um chi-chi em Alçaperna (Conc. de Lousã). (Bogadouro é o Mogadouro quando se está constipado?!?!)

PS: Acrescento a esta linda lista o famoso "Pantanal do Samouco"!

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