Há uns anos atrás, no meu percurso académico, foi-me pedido que fizesse uma recensão onde teria de cruzar dois artigos que abordavam questões relacionadas com a identidade de género. No meio dos meus arrumos de final de Verão, esse projecto de recensão veio hoje parar-me às mãos. Tendo eu investido tanto tempo de leituras e de preparação para depois não me ter sido dada a possibilidade de a apresentar, resolvi expiar aqui e agora uma das minhas frustações académicas.
"Os anos '80 caracterizaram-se por uma ruptura com os velhos conceitos de poder, género e feminismo, fruto de uma época marcadamente individualista e pela forte implementação do mercado livre de bens. Essa mudança contribuiu para que os estudos culturais passassem também a considerar como seu objecto as estruturas de poder, a desconstrução de valores tradicionais, o individual e o privado por oposição ao social e ao público e pela valorização de subgrupos sociais (constituídos essencialmente pelas minorias e grupos marginalizados), com especial incidência na experiência feminina.
Reflexo disso, são os dois textos apresentados* que incidem sobre estes aspectos através do prisma de duas mulheres: Margaret Thatcher e Madonna, cujos perfis biográficos permitem às autoras tecer considerações sobre uma experiência de poder matriarcal. A defesa deste argumento baseia-se, essencialmente, através da sua popularidade (quer pela positiva, quer pela negativa) na esfera do domínio público, capazes de estabelecer relações paradoxais e idiossincráticas que, em última análise, se traduzem em relações de conquista de poder. Ou seja, por oposição ao previamente estabelecido pelo paradigma patriarcal, estigmatizando o feminino a um papel passivo e emotivo, surge um corpus na linguagem e acções de Thatcher e Madonna que conferem às suas disposições fisiológicas um carácter subjectivo, no entanto reveladoras de transformação na "batalha dos sexos".
Pela invasão em domínios predominantemente masculinos (política e o mundo do espectáculo), existe uma perca de feminilidade e humanidade (Leung:35). Pelo seu ganho de autoridade são teleologicamente personificadas como homens honorários, agindo em conformidade com as normas tradicionais. São mulheres fálicas, incorporando-se e exprimindo-se aos restantes da mesma forma que numa visão patriarcal. São, pois, figuras ambíguas, ao mesmo tempo, conservadoras, por operarem dentro das estruturas existentes sem fazerem qualquer tentativa de entrar em ruptura com elas. Diria mesmo, são figuras andróginas, por não se afiliarem em nenhum dos lados do campo sendo difícil o estabelecimento de fronteiras entre a dicotomia mulher/homem.
Este limbo híbrido permite-lhes assegurar o poder. Desse modo, aproximam-se muito mais de um feminismo liberal na medida que este defende uma igualdade sexual pela rebelião, autopromoção e imprevisibilidade, sendo cúmplices do capitalismo, por oposição a um feminismo marxista, que advogava a solidariedade e igualdade. Por esta via, quer Thatcher quer Madonna, teriam cumprido o ideal de Marx, libertando-se da divisão sexual do trabalho que as remetia para o trabalho doméstico e de reprodução. No entanto, não contribuíram para que as suas semelhantes o fizessem de igual modo, nem partilham com estas os seus ganhos pessoais. Jogam com as mesmas armas do sistema patriarcal, procurando através da sua liberdade de escolha e individualidade um estatuto de neutralidade, que lhes assegura poder."
Ao reler este texto, surgem-me só dois pensamentos: Como é inócua a escrita académica e como há professores que nos fazem escrever estas coisas, mesmo não concordando com elas!!! Pensando bem, expiados que estão os meus pecados, ainda bem que nunca apresentei isto.
* dos artigos:
McClary, Susan «Living To Tell: Madonna's Ressurection of the Fleshy», Feminine Endings - Music, Gender and Sexuality, University of Minnesota Press, 1991: 148-166.
Leung, Linda «The Making of Matriarchy: a comparison of Madonna and Margaret Thatcher», Journal of Gender Studies, vol. 6, nº 1, 1997: 33-42.
quarta-feira, setembro 06, 2006
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