quarta-feira, junho 09, 2004

Um dia do outro lado...

00:07

Hoje tive aquilo que se pode chamar de um encontro imediato de 3º grau, e não é nenhuma referência ao filme de Spielberg (tendo em conta os acontecimentos recentes nos céus portugueses), nem se trata de nenhuma metáfora a um encontro de cariz carnal. Passo a explicar...
Hoje, exactamente no mesmo local onde há 6 anos conheci um rapaz, encontrei-o de novo. Depois de mais de 4 anos sem saber nada dele, eis que tal como se nada se tivesse passado (ou nem por isso), ali estava ele.
Eu explico... (agora é que é!)
Corria o mês de Maio de 1998 e no meio de toda a agitação a propósito da abertura da Expo'98, lá ia eu em mais um dia de casa para a faculdade. No meio do meu percurso habitual, passei pela estação de comboios de Entrecampos e a meio do cais um rapaz magro, com cabelo louro e olhos esverdeados pergunta-me as horas! Eu que ando sempre na rua como alguém que vai do ponto A ao ponto B sem fazer nenhuma paragem e muito rápido... fiquei um pouco surpreendido com aquela interpelação passava 45 minutos das 9 da manhã. Respondia cordialmente e segui o meu caminho! Quase a chegar à entrada do metro (que na altura ficava mais longe que actualmente) aparece o rapaz novamente (vamos chamar-lhe Ricardo, todos temos direito ao nosso pseudónimo!), desta vez para se apresentar e dizer-me que costuma andar por ali "a passear e a ver as vistas". Como sempre fiquei um pouco embaraçado com a situação como aliás acontece sempre que alguém mete conversa comigo (quer seja a velhinha solitária da paragem de autocarro ou o gajo da discoteca).
Com uma espontaneidade vinda não sei de onde respondi: "Olha que bom pra ti!"; e continuei o meu caminho em direcção ao metro.
Já dentro da estação do metro, lá está o Ricardo novamente. Nesta altura eu já estava a ficar preocupado e um pouco assustado.
Conversa puxa conversa... piada pr'aqui, piada pr'ali e eu que apesar de tímido não era parvo nenhum... acabei por deixar passar o metro e ficar na conversa.
Acabamos por ir até um ao Saldanha Residence e tomamos um café um durou horas...
Do nada fiquei a saber imensos pormenores da vida do Ricardo! Além do nome fiquei a saber, a idade, onde morava, do que gostava e o que fazia e não fazia...
Durante os 2 anos seguintes acabei por me cruzar com o Ricardo pelo menos 3 vezes por semana...
No entanto, só passado algum tempo é que me apercebi o que era realmente a vida do Ricardo.
O Ricardo era um rapaz de 21 anos que morava nas avenidas novas filho de 2 funcionários públicos de classe média e que como não gostava de estudar e não tinha grandes ambições pessoais... achou mais interessante passar as tardes pelos WC públicos e áreas limítrofes do eixo Entrecampos - Saldanha a fazer aquilo que ele mais gostava (segundo ele); que era conhecer gajos!
Como devem imaginar ao longo de 2 anos de conversas mais ou menos regulares sempre dá para saber alguns pormenores pessoais.
De facto, aquilo que o Ricardo fazia era um rapaz que engatava gajos apenas por puro prazer...
A determinada altura da vida acabou por conhecer alguns Senhores que regularmente passavam pelos locais onde o Ricardo andava e aos quais ele fazia companhia por períodos de tempo mais ou menos longos. Em alguns casos o Ricardo chegou mesmo a fazer férias no Algarve, sul de Espanha ou até mesmo no estrangeiro como foi o caso de Londres e Nova Iorque. Nunca percebi muito bem como é que ele justificava estas ausências em casa com os pais!!! (Mas lá que justificava, justificava e lá que ia passear para fora do país, também ia!)
Durante tantas conversas acabei por aproveitar para colocar algumas questões dignas de um rapaz que muito embora sempre soubesse que era gay (estamos a falar de mim!) tinha muitas questões para as quais não tinha resposta.
Para mim que tinha a vida mais comum do mundo: 22 anos, saudável, alto, educadinho, bem comportado, estudante universitário sem nunca chumbar nenhum ano, morava com os pais, saia regularmente com os amigos e na altura até tinha namorada porque achava que tinha a minha homossexualidade controlada (talvez um dia escreva sobre isto! eheheh) as tardes de conversa com o Ricardo eram algo totalmente novo! Tal como diz uma amiga minha "Sou o rapaz que todas as mães gostariam que as suas filhas levassem a casa para apresentar como namorado à família!" (Talvez isto não tenha ficado bem... mas acho que ilustra bastante! Tadinhas das mãezinhas... nem sabem como iam ser enganadas! ehehehe)
A forma de falar das coisas, as opiniões, as histórias e o divertimento com que ele falava do que tinha feito, faziam daquelas ocasiões um dia do outro lado!
Mas afinal o que era aquilo que se passava na vida do Ricardo?!
Não era prostituição, porque não havia nenhuma espécie de venda... era mais uma troca de favores (e porque não dizer... favores sexuais!). Hoje com a distância do tempo, com alguma reflexão sobre o assunto e algum amadurecimento pessoal aprendi a ver as coisas com alguma tolerância e a achar que se duas pessoas livres e descomprometidas querem estar uma com a outra, porque não!? Se bem que acho que aquilo que o Ricardo fazia era juntar o útil ao agradável: companhia, algum carinho e atenção e sexo!
Isto porque só alguém que mete conversa com um estranho (como aconteceu comigo) e não pretende ter sexo com essa pessoa, só pode procurar atenção! E nos 2 anos em que estive com o Ricardo nunca houve a menor insinuação de parte a parte!
Apesar de todas as conversas e de alguma intimidade (é curioso observar como às vezes estamos mais à vontade e temos mais cumplicidade com pessoas que não conhecemos!) nunca trocamos números de telemóvel... achámos melhor que mais natural se deixássemos a sorte voltar a juntar-nos e foi sempre assim... pelos menos até há 4 anos altura que deixei de saber do Ricardo; em parte porque terminei a faculdade e deixei de passar por lá, mas também porque quando por lá passava (e confesso que fui lá algumas vezes propositadamente para falar com ele!) nunca mais o vi!
Durante algum tempo pensei muito no que teria acontecido ao Ricardo.
Será que tinha casado e era pai de filhos?! Teria encontrado em estrangeiro rico que o levou para a sua quinta?! Estaria preso em alguma rede de prostituição masculina?! Ou pura e simplesmente tinha-se deixado das sessões de sexo nas WC e prédios velhos das avenidas novas!?!
Todo o tipo de pensamentos passaram-me pela cabeça. Até que...
Até que, em Fevereiro deste ano, durante um jantar normal em família a ver um anúncio de TV dou de caras com... o Ricardo!!
O Ricardo era a figura principal de um anúncio a uma grande cadeia de lojas...
Fiquei de boca aberta... o que teria mudado na vida dele!?!?
Nos dias seguintes voltaram todos os pensamentos sobre que volta teria dado a vida do Ricardo...
Mas depois tudo voltou para o inconsciente das nossas memórias e para o local longínquo da nossa mente habitado por todas aquelas pessoas que povoam o nosso imaginário mais ou menos real!
Tudo isto ficou assim, como que cristalizado no tempo até hoje!
Hoje às 19:45, em pleno cais da estação de Entrecampos e no mesmo local onde há mais ou menos 6 anos o Ricardo me perguntou as horas ali estava ele! Impávido e sereno, com um ar repartido entre a nostalgia de outros tempos e a segurança de uma vida totalmente diferente.
Não sei se ele se lembrou da coincidência do encontro mas sei que me reconheceu logo assim que me viu. Após os cumprimentos iniciais e a admiração pelo encontro inusitado, não resisti em perguntar o que se tinha passado, onde tinha andado o que raio lhe tinha acontecido!
Com o à vontade de quem contava as velhas histórias de engates, fiquei a saber que durante os seus engates de WC, tinha conhecido um Senhor que trabalhava em publicidade e televisão e que após um período de férias na Galiza tinha começado a fazer publicidade e pequenos anúncios até que em Fevereiro surgiu a oportunidade de fazer o referido anúncio para a cadeia de lojas... E segundo soube mais se seguiram antes do final do ano!
O Ricardo já não mora com os país... tem uma casa em Alfama onde mora sozinho! Continua com os seus "encontros esporádicos" (ainda que agora mais seleccionado), sendo que está mais dedicado ao "Senhor do anúncio". Continua a não existir troca de dinheiro e o Ricardo diz que o trabalho não foi o pagamento; e eu acredito no Ricardo! "Existem mais ligações entre as pessoas do que a maioria imagina: relacionamentos muito para além da parte social ou carnal", foi assim que o Ricardo respondeu a uma eventual expressão de gozo que devo involuntariamente ter expressado.
Depois das despedidas habituais, continuamos a deixar nas mãos da sorte um possível encontro...
Enquanto o Ricardo se afastava e eu ficava ali a esperar pelo comboio das 21:00, pensava em como ele tinha mudado desde a primeira vez que o vi, ali mesmo naquele lugar!
O cabelo castanho claro despenteado e escorrido, tinha dado lugar a um bom corte de cabelo, a t-shirt branca com uma qualquer marca de roupa estampada foi substituída por um pólo azul claro com estilo e em vez da velha calça de ganga muito gasta tinha agora uma calça de caqui bege; tudo com óculos de sol e sapatos a condizer!
Tal como acontecia durante as conversas com o Ricardo há 4 anos atrás, hoje foi mais um dia do outro lado!

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