quarta-feira, outubro 15, 2008

E pronto... já está! III

02:43

E chegou a vez de falar com os meus pais!
Desde muito cedo que tinha ficado decidido nas muitas conversas que tive de mim para comigo, que as primeiras pessoas com quem teria de falar sobre a minha sexualidade seria com os meus pais.
Ao longo dos últimos 15 anos muitas foram as pessoas que não perceberam esta minha decisão e com toda a certeza que muitas ficaram com a clara sensação de que esta era uma (boa) desculpa ou justificação para adiar o mais possível esta difícil decisão.
Para vocês aqui fica a prova... não era desculpa e consegui fazê-lo!

Pode parecer estranho que as primeiras pessoas com quem eu gostasse de falar sobre o minha sexualidade fossem os meus pais, mas para mim fazia, fez, faz todo o sentido.
Sempre tive uma relação excelente com os meus pais e desde que a minha sexualidade começou a constituir um problema (social) que a minha relação com os meus pais foi sofrendo um afastamento.
Hoje, não fosse a questão do estigma social de que todos os pais têm medo, nem consigo compreender porque motivo não falei com eles mais cedo. Como já tive oportunidade de escrever aqui, a mentira e a hipótese de uma vida dupla e em paralelo nada tem de glamoroso ou aventureiro, antes pelos contrário é desgastante, muito deprimente e depressa nos deixa enrolados em mentiras e desculpas, nem jogo complexo e demente.

Numa famosa (pelo menos para mim) quinta-feira de Setembro, achei que não podia adiar mais. Tinha de ser corajoso, responsável, sincero e frontal. Estava na hora de tentar recuperar tantos anos de mentiras e justificações mal amanhadas. Tinha de abordar a questão nas próximas horas!

Apesar de conhecer os meus pais e de achar que eles iriam reagir menos mal (porque bem acho que nunca reagem... ou será que sim?!) face a uma confissão deste tipo, achei que lhes devia dar algum tempo e por isso a nossa conversa tinha de ser numa 6ª feira. Desta forma sempre tinham o fim-de-semana para digerirem a situação.
Alguns de vocês podem pensar que isto demonstra muita frieza e pragmatismo da minha parte; em conjunto com a tranquilidade que senti e ainda sinto acho que é devido à idade com que estou a viver esta situação. Pelo menos assim consigo explicá-lo, já que habitualmente não sou a pessoa mais pragmática e prática do mundo...

Nesse dia não sai com o Miguel e fiquei todo o dia em casa... Tinha de encontrar o melhor momento para abordar a questão... Faria introduções e grandes rodeios?! Iria directo ao assunto em concordância com a clareza de espírito que sentia?! Nesse primeiro dia não consegui pensar em nada. E foi tanto assim que cheguei à noite totalmente frustrado! Tinham-se passado mais de 12 horas desde que tomara esta decisão e não tinha conseguido abordar a questão. Ainda abri a boca algumas vezes, mas não saia nada. Tentei aproveitar aqueles silêncios entre conversa, mas fui sempre interrompido, por uma piada, um anúncio na televisão ou mais uma cereja de conversa.
Nessa noite não dormi e estava com um sentimento misto de nervoso, raiva e inquietação! Se já tinha decidido então porque custava tanto!? Nessa noite dormi mal, pouco e estava eléctrico.

No final da noite do dia seguinte já as horas estavam a voar pelo relógio da sala... e eu sem conseguir meter uma bucha para abordar o assunto. Não tinha o tempo a meu favor! Se queria fazer as coisas como tinha pensado tinha mais 15 minutos para agir.
Neste espaço de tempo acho que comi e bebi um pouco de tudo o que havia pela cozinha. De tal forma estava inquieto que até bebi sumo de manga natural... líquido que só de cheirar me deixa mal disposto.
Era agora ou então não o conseguia fazer! Bebi um copo de água, sentia o batimento cardíaco no pescoço, estalei os dedos apertando as mãos e entrei na sala. Era hoje, era agora, era já.

Preciso de falar com vocês! Sinto que já o devia ter feito há muitos anos, mas só agora é que me sinto preparado. Sempre me preocupei com que se sentissem orgulhosos de mim e sabem como quero que estejam bem.
Aquilo que tenho para vos dizer é que... que... é que eu sou gay. Tenho um namorado há 7 anos e esse namorado é o Miguel!

Já passou! Já disse! E pronto... já está! Ai estas emoções que nos embargam a voz e que nos fazem tremer a língua! Neste milésimo de segundo de mediou entre ter acabo de falar e os meus pais dizerem alguma coisa passou-me pela frente todas as situações mais embaraçosas relacionadas com a minha sexualidade: os telefonemas interrompidos, as fotos no PC, as saídas a meio da noite, os novos amigos vindos de "marte", etc, etc.

Os meus pais tiverem a reacção mal calma do mundo! Olharam para mim com o ar calmo, carinhoso e apoiante com que sempre me olharam nas situações difíceis e disseram-me que já sabiam. Que já há alguns anos e especialmente desde o dia anterior que sentiam que algo estava a ensombrar-me e que por isso ontem tinham-se despedido com um beijinho e com a frase "sabes que se precisares estou aqui!".
Tal seria o meu estado no dia anterior que não me lembro de nada.

Como é habitual a maioria da conversa foi tida com a minha mãe, figura de muito mais palavras que o meu pai. Ainda assim o trabalho de preparação prévio que ambos fizeram acabou por ser muito mais útil para o meu pai que teve pouca intervenção nesta conversa mas muito assertiva e pertinente, do que para a minha mãe que estava um pouco atrapalhada com a comprovação de uma situação já muito esperada. Enfim, ironia da destino.

O resto da conversa, que por motivos pessoais não vou contar aqui, foi sempre no sentido de respeitarem a minha decisão, opinião e convicções. Não será disparatado dizer que vieram à baila todos os clichés relacionados com os gays, mas como pessoas esclarecidas, rapidamente incorporaram os novos valores dos "outros", que eram agora também deles (meus).

Pessoalmente achei esta conversa demasiado normal, calma e sem qualquer tensão.
Não que isto seja uma queixa, nada disso, mas como disse ao Miguel ,nessa mesma noite foi tudo anormalmente normal... Nem um choro, nem uma reacção mais tensa, nem uma cena dramática. Nada!

Acho que é por tudo isto que me sinto calmo e muito tranquilo. Até ao momento consegui ter perto de mim pessoas que me transmitiram segurança, amor, calma e muita serenidade.
Não sei se será normal ou não, mas também não me interessa. Sinto-me bem comigo e com as pessoas mais importantes na minha vida e isso é que conta para mim.

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7 comentários:

João Roque disse...

Bruno
claro que um relato destes, emocionante e detalhado, me faz obrigatoriamente pensar na situação porque passei quando fiz a mesma comunicação; não foi nas mesmas circunstâncias (nem é altura de dizer com foi), apenas interessa dizer que a reação foi tão positiva quanto a tua e que imagino como te deves ter sentido feliz por não ter que "mentir" ou omitir factos da tua vida perante as pessoas mais importantes da tua vida (além do Miguel, claro).
Parabéns sinceros.
Abraço grande para ambos.

seven disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Pinguim,
Na altura, tal como agora a reacção até me pareceu demasiado normal. :-) Mas é bom como o caraças não ter mentir.
Grande abraço

seven disse...

parabéns pela coragem que tiveste e que a minha idade já não me deixa ter.

Anónimo disse...

Fico contente pela reacção que os teus pais tiveram. Só é pena que nem toda a gente tenha essa reacção :)

Nuno disse...

Obrigado por partilhares este momento. Gostaria que corresse assim comigo...

Ezequiel Coelho disse...

É uma magnífica prova de maturidade, de todos os intervenientes!
Parabéns!
Um grande abraço!

 

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