Tudo começou há mais de uma década. Apesar de termos uma diferença de quase sete anos, que hoje mal se dá por isso, na altura, essa diferença era óbvia. Mas, habituado que estou a lidar com gente dos 7 aos 77, isso não foi nenhum factor impeditivo para nos tornarmos bons colegas e amigos. Também não foi difícil, sendo ele uma daquelas pessoas de quem se gosta à primeira por ser educado, divertido, inteligente e trabalhador. Cedo, adoptei-o como o benjamim do grupo. Um grupo que passou por muitas experiências conjuntas que nos marcaram profundamente, penso que para sempre. Com o decorrer do tempo uns partiram, outros ficaram, mas o respeito por este miúdo ficou sempre como um dado adquirido para mim.
Um Verão, daqueles em que o calor nos toca como um beijo e em que os dias são mais azuis que o próprio azul, quis o acaso juntar 4 pessoas durante uma daquelas temporadas intermináveis das férias escolares. Entre elas eu, o meu ex, este rapaz de que vos falo e mais uma amiga nossa. Poucas pessoas sabiam então que eu era gay, muito menos que eu tinha um caso com um colega comum. Num desses dias, depois de um dia perfeito na praia, resolvemos assumir a coisa à volta de uma mesa farta, com o patrocínio dos tachos e das panelas da gaja do grupo, que já sabia de tudo há algum tempo.
Foi um daqueles jantares longos e tardios em que a comida vai ficando no prato porque a conversa sacia-nos a fome. Quando, por entre uma garfada e outra, o meu ex lhe diz:
- Temos uma coisa para te contar. Sou homossexual.
Ainda hoje me lembro da sua expressão com uma batata assada espetada num garfo à entrada da boca e o semblante estático como se a realidade do mundo lhe tivesse caído em cima. Agora não havia volta a dar. Faltava ainda mais para revelar. E então disse-lhe:
- Sabes outra coisa? Eu também.
Incrédulo, continuava com a batata à entrada da boca e um silêncio estranho deixava ainda ouvir o eco das gargalhadas dadas minutos antes. Porém, ainda não era tudo.
- Tudo isto para te dizermos que nós andamos um com o outro.
Finalmente, algum movimento. Três revelações de seguida é dose, sobretudo quando se está a milhas de se imaginar. Lentamente pousou o garfo no prato e ficou introspectivo. Pequenos olhares cúmplices entre os restantes presentes e aguardámos por reacções. Nada. Acabámos o jantar e passámos à sala para vermos um filme. Duas horas, pontuadas apenas por uns comentários de circunstância. Sempre que olhava para ele, continuava em modo introspectivo. O que tanto pensou ele durante tanto tempo é para mim um mistério, mas finalmente deu por si a acabar com todo aquele silêncio quando literalmente explodiu para fora o que lhe ia na alma:
- Olhem - disse - Gosto muito de vocês e quero que sejam muito felizes... Costumam ter cuidado? É que eu não gostava de ver dois amigos meus com SIDA ou essas coisas que andam por aí...
Respirámos todos fundo, tranquilizámo-lo e continuámos a sair nos dias seguintes com uma cumplicidade redobrada.
(continua...)
segunda-feira, outubro 30, 2006
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2 comentários:
LOL... pq tres sustos ao mesmo tempo? Podiam ter dito q namoravam, ai seria uma bomba so.
Isso pareceu quando eu contei para a aminha mãe, ela disse quase a mesma coisa, me apoiou e disse para ter muito cuidado por causa da SIDA. Foi muito legal.
Bem, agora vou aguardar o restante. hehehe
Lembro-me da primeira vez que contei a alguém que era gay... ela ficou aterrorizada da paralização que sentiu!
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