A Gisberta
Não tenho tido a frieza, nem o tempo, para me sentar com calma e dirigir algumas palavras em relação aos tristes acontecimentos que envolveram recentemente a morte de uma pessoa no Porto. Deixei alguns comentários dispersos em alguns blogs sobre o assunto mas não tive nem capacidade de escrita, nem o discernimento, para expressar a revolta (não encontro outra palavra melhor) que tenho sentido sobre este assunto.
Em primeiro lugar, discordo totalmente do branqueamento que a maioria da imprensa está a fazer do caso, numa tentativa de desculpabilização dos principais responsáveis pela morte de uma transsexual: dos jovens, por um lado, por serem inimputáveis; e do Estado, por outro, por não ser devidamente responsável pela tutela dos mesmos. As variadíssimas chamadas de atenção que ecoaram por toda a blogayesfera e por parte de algumas associações, merecem o meu total e incondicional apoio. Faço delas as minhas palavras, porque tal como elas, acho que estamos perante um jornalismo medíocre, desinformado e preconceituoso.
O caso da Gisberta não é, infelizmente, um caso isolado. É grave ainda por ter sido perpretado por jovens. Mais grave ainda, é o ninguém querer saber e determinar as reais causas que levaram a que uma transsexual tenha sido barbaramente assassinada com requintes de malvadez. Deveríamos todos reflectir muito bem sobre isso e relembrar Matthew Sheppard e tantos outros exemplos similares, pelos piores motivos. Na semana passada foi a Gi, hoje poderá acontecer a qualquer um de nós às mãos de neo-nazis, de homofóbicos, ou de jovens internados numa instituição católica do nosso país paga pelo Estado, que por sua vez paga com o nosso dinheiro.
A Gis tinha rosto. E o seu rosto era este, quando ainda era viva.
e tod@s nós...
Num dos comentários que fiz, perguntava-me no final: "E agora, o que fazer?". A resposta demorou, mas chegou. Uma vigília simbólica, fazer pressão e enviar mails de protesto foram as respostas.
Não chega. É muito pouco. Parece-me que é mais que chegada a hora das associações que representam a "suposta" comunidade LGBT de uma vez por todas unirem os seus esforços, de chegarem a consensos e esquecerem os protagonismos e questiúnculas que nada têm a ver com os direitos que dizem defender. É hora de parar com a paranóia de que se não estão connosco estão contra nós. Basta! De conversa estamos todos fartos e já bastam os políticos para conversa da treta. Sejamos nós Lésbicas, Gays, Bis ou Transgender há princípios de igualdade e de direitos que são transversais a todos estes grupos e que não são respeitados diariamente. É nisto que os esforços deveriam ser canalizados. Tudo o resto, é pura demagogia e jogo de interesses. E a mim, parece-me que das duas uma, ou à frente das organizações há muita gente incompetente, ou apenas estão preocupados por ser melhores e maiores que a associação do lado, à procura de um qualquer poleiro, ou de algum que lhes caia no colo. Curiosamente, também não entendo o porquê de haver tantas organizações para o mesmo fim. Dividir para reinar nunca me pareceu a melhor estratégia, e já por várias vezes, este mesmo blog onde escrevo, já foi alvo da propagação dessas tentativas, devidamente barradas na hora. Ao longo desta última década, em que passei a estar mais atento a estas questões - apesar de alguns méritos pontuais, e não querendo pôr tudo no mesmo saco - tudo sempre me pareceu pouco, demasiadamente pouco. Daí o meu descrédito nas associações em que eu não acredito nos seus dirigentes e onde não me sinto minimamente representado, nem identificado. Como tal, sou um dos tais que é olhado por cima dos ombros.
Existirá uma comunidade gay? Penso que não. Não no verdadeiro sentido de comunidade activa, participante e interventiva. Que exista uma grande comunidade na sombra, talvez... mas essa está parada por inércia, ou por padecer de um dos grandes males da sociedade contemporânea: o "me, myself and I"... Mas existe uma grande diferença entre isso e o serem uma cambada de "enconados", "armariados" e "homofóbicos interiorizados". Que os existem, ah pois sem dúvida que existem... mas é preciso não atirar com essas frases feitas para todos os sentidos, atingindo tudo e todos de forma indiscriminada.
Eu, como muita gente que conheço, já afirmou muitas vezes, que no dia em que começarem a ver surgir no horizonte uma verdadeira "agenda gay", uma luta séria por objectivos comuns, uma garantia de que não se anda a brincar aos clubes, participarão com todo o gosto de mais acções (inteligentes, preferencialmente) naquilo que puderem e no talento que tiverem. Eu sou dos que pensa assim.
Terminando este post que já vai longo - e que está longe de trasmitir tudo o que penso sobre este assunto - uma palavra aos que tenho vindo a criticar nestas últimas frases. Nada me move contra ninguém, nem contra nenhuma associação em particular. Muito pelo contrário, louvo a coragem de muitos em travar esta luta diária de anos. Muitos fazem-no de coração, acontece que outros não.
E os responsáveis por deixar isto acontecer... somos tod@s nós
quarta-feira, março 01, 2006
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
Miguel, li o teu post de fio a pavio, concordo com a tua maneira de pensar de uma maneira geral. Mas se vamos falar de injustiças neste país, não podemos esquecer as crianças e os maus-tratos, as mulheres e os homens adultos vítimas dos mesmos, do racismo em todas as vertentes, incluindo, os homossexuais, bissexuais e transexuais, travestis, etc...
Este país está cheio de injustiças e de culpas por atribuir. Enquanto assim for, crianças, adultos irão continuar a ser vítimas de um sistema por nós criado. Mas sabes que mais? Tirando uma voz ou outra, nas urnas as coisas passassam-se apenas e só de uma cor para outra. Abstenção?! Um papão para uma sociedade despreocupada e desatenta, que enquanto tiver o suficiente (ou não!) para o dia a dia e para os luxos, não quererá saber daquilo que realmente importa. Fogos...um problema que assola anulamente o nosso país. Preocupações? Muitas! Acções? Quase nulas...
Por isso...e desculpa a extensão da coisa, há que mudar em muito sentido. Enquanto a mentalidade não se mudar e enquanto certos preconceitos e desinformação persistirem, não vejo melhoras...Ficamos nós, os atentos e as vozes que se erguem em prol das minorias e das pessoas que não a têm. Um beijinho grande de apreço e compreensão.
A que protagonismos te referes?
Miguel, deste outro lado do mar as coisas também não são muito diferentes, alem dos assassinatos e agressões (deve ter ido sobre algo em Ipanema na semana ultima) tambem falta seriadade á comunidade e ao movimento GLTTB
abs
Enviar um comentário